QUEM É O DOCENTE DO ENSINO TÉCNICO

WHO IS THE TECHNICAL EDUCATION TEACHER

QUIÉN ES EL MAESTRO DE LA ENSEÑANZA TÉCNICA

Maria Beatriz Franze Conte1 (mbfc.conte@gmail.com)
Maria Angela Boccara Paula1 (boccaradepaula@gmail.com)

1Prog. de Pós-graduação em Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté – UNITAU

Resumo

Este trabalho objetivou identificar o perfil sócio demográfico e de formação do docente do ensino técnico, o tempo de atuação na carreira docente e outras experiências profissionais. O método foi descritivo, de abordagem qualitativa. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário com 20 perguntas. Participaram da pesquisa 49 docentes de uma instituição de ensino privado, localizada no Vale do Paraíba Paulista. Os resultados indicaram que o docente do ensino técnico é um profissional com formação pertinente a sua carreira de origem, sem instrução prévia para atuação em educação, que se forma no cotidiano da sala de aula, por meio da prática docente. Desta forma, conclui-se necessária que a gestão escolar promova e estimule a formação docente no próprio contexto escolar.

Palavras-chave: Desenvolvimento Humano, Educação, Ensino Técnico, Docente.

Abstract

This study aimed to identify the sociodemographic and training of teachers of technical education profile, the time of work in the teaching profession and other professional experiences. The method was descriptive and qualitative approach. The instrument used for data collection was a questionnaire with 20 questions. The participants were 49 teachers of a private education institution, located in the Vale do Paraíba Paulista. The results indicated that the teaching of technical education is a professional with relevant training to its area of origin, without prior preparation for education in acting, that forms in the classroom everyday, through the teaching exercise. Concludes is necessary that the school management promotes teacher education within the school context.

Keywords: Human Development, Education, Technical Education, Teacher.

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo identificar el perfil sociodemográfico y la formación de los profesores de la enseñanza técnica, la experiencia de trabajo en la profesión docente y otras experiencias profesionales. El método fue aproximación descriptiva y cualitativa. El instrumento utilizado para la recolección de datos fue un cuestionario con 20 preguntas. Los participantes fueron 49 profesores de una institución de educación privada, que se encuentra en el Vale do Paraíba Paulista. Los resultados indicaron que lo profesore de la educación técnica es un profesional con formación relevante para su carrera de casa sin instrucción previa a la educación en la actuación, que se forma en el aula todos los días, a través de la práctica docente. Por lo tanto, parece necesario que la dirección del centro promueve y estimula la formación de docentes en el contexto escolar.

Palabras clave: Desarrollo Humano, Educación, Educación Técnica, profesor

 

1. Introdução

Crescente desemprego, instabilidade e salários inferiores são questões que vêm se apresentando cotidianamente no contexto do mercado de trabalho nacional. Diante desse quadro, a educação apresenta-se, muitas vezes, como possibilidade de melhoria das condições sociais e preparo do trabalhador para as novas exigências do mercado de trabalho

A modalidade de educação que se propõe a preparar os indivíduos para rápida inserção no mercado de trabalho ou adaptação a novas formas de atuação, é a educação de ensino técnico.

Entretanto, historicamente, a educação profissional sempre foi tratada de forma menos importante, pois se voltava para a preparação da população mais pobre, que ocuparia funções operacionais da hierarquia organizacional.

Entretanto, historicamente, a educação profissional sempre foi tratada de forma menos importante, pois se voltava para a preparação da população mais pobre, que ocuparia funções operacionais da hierarquia organizacional.

De acordo com o Censo da Educação Básica de 2013, as matrículas do ensino técnico estão em expansão, apresentando um crescimento de 5,8% e atingiram um contingente de 1,44 milhão de alunos atendidos em 2013, incluindo-se neste total as matrículas na rede federal, estadual, municipal e privada (BRASIL, 2015). Entretanto, apensar do aumento do número de matrículas, ainda não parece possível uma apreciação sistemática dos resultados qualitativos dos alcançados pelo PRONATEC.

Dentro do contexto das escolas que oferecem a formação profissional de nível técnico, é interessante que se comente sobre o docente dessa modalidade de ensino. Por ter um foco muito marcante no mercado de trabalho, o ensino profissional recorre à contratação de docentes advindos do mercado profissional e, muitos deles, não possuem formação específica para o exercício da docência. São, em sua maioria, profissionais que ensinam a outros o exercício de determinada ocupação. Dessa forma, o quadro de docentes das instituições de ensino técnico normalmente é composto por profissionais de diversas origens, do ponto de vista de experiência e formação acadêmica.

O docente do ensino técnico apresenta-se como profissional com vivência no mercado profissional, formação técnica pertinente à área de atuação e, em muitos casos, sem a formação em educação, tais como: graduação em pedagogia, licenciaturas diversas, mestrado ou outros. Assim, a educação técnica, sempre caracterizada pelo fazer, é desenvolvida no Brasil por professores leigos, do ponto de vista da educação.

Na educação técnica, o docente necessita agregar duas necessidades fundamentais: conhecimento técnico, específico da profissão que atua e os saberes pedagógicos da profissão docente, ou seja, algum tipo de formação em educação. Entretanto, Oliveira (2010) comenta que historicamente, observa-se no Brasil a docência exercida por indivíduos que o faziam por vocação ou sacerdócio e, somente com o desenvolvimento da sociedade, chegou-se à atual profissionalização do docente. Porém, no contexto da educação profissional, a formação em educação ainda é pouco presente, consequência de ações governamentais pouco efetivas (SOUZA; ANDRADE; AGUIAR, 2014).

Ferreira e Mosquera (2010, p. 106) afirmam que no Brasil “a docência sem habilitação é um fato histórico especialmente em se tratando de educação profissional”. Diante disso, os autores defendem a necessidade da criação de espaços para a formação/construção do ser docente a partir da discussão e reflexão coletiva.

De acordo com Perrenoud (2007), a formação docente ganha mais importância atualmente, pois o mundo contemporâneo necessita de docentes que tenham como posturas fundamentais: a prática reflexiva e a implicação crítica. A prática reflexiva traz à tona a necessidade das atuais sociedades em inovar, em refletir sobre as atuais práticas buscando o desenvolvimento do novo. E, com a implicação crítica, o autor enfatiza a importância do envolvimento dos professores nos debates mais variados da sociedade, sejam eles sobre educação, questões de mercado, cultura, entre outros.

Souza; Andrade; Aguiar (2014) acrescentam que a capacitação de professores para atuação no ensino técnico deve ir além da aquisição de técnicas didáticas que preparem o docente para a transmissão de conteúdos, devendo também privilegiar a formação na esfera das políticas públicas educacionais.

Assim, é possível considerar que o docente assume uma função muito mais ampla junto aos educandos. O trabalho da escola e do educador vai além de promover a transmissão de conhecimentos, para então assumir também o desenvolvimento de habilidades, atitudes e valores.

A proposta atual da educação profissional busca valorizar as experiências pessoais do aluno, colocando-o como sujeito ativo no processo de aprendizagem. Desta forma, o professor necessita envolver-se com a comunidade escolar e a realidade do discente; trata-se de uma nova postura que exige conhecimento do mundo do trabalho sem abrir mão da flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização (GOMES; MARINS, 2004).

Gomes e Marins (2004) resumem assim o professor do ensino técnico:

[...] pessoa autônoma dotada de competências específicas e especializadas, legitimadas pelas ciências, com sua prática oriunda de uma ação contextualizada, cuja competência é desenvolvida a partir dessa prática com reflexão na e sobre a ação e, como docente, em seu local de trabalho aprende na ação, e cuja prática suscita e valida a nova conduta experimentada (GOMES; MARINS, 2004, p. 145)

Entretanto, Silva; Azevedo (2015) consideram que as discussões acerca da formação do docente do ensino técnico ainda têm se mostrado incipientes no âmbito acadêmico-cientifico e, diante dessa constatação, verifica-se também a ausência de espaços formativos específicos para tal docente.

Entretanto, Tardif e Lessard (2009) acrescentam que muitos professores permanecem amarrados às práticas e métodos tradicionais de ensino e os próprios ambientes escolares se mostram resistentes às mudanças. O discurso dos autores (TADIRF; LESSARD, 2009) traz à tona a necessidade de profissionais educadores que pensem critica e reflexivamente e orientem/desenvolvam esse tipo de pensamento junto a seu aluno.

Diante desse quadro e reconhecendo o valor do docente do ensino técnico, este trabalho objetivou investigar qual o perfil sócio demográfico e de formação do professor da educação profissional de nível técnico de uma instituição de ensino, bem como o tempo de atuação na carreira docente e outras experiências profissionais.

 

2. Desenvolvimento

Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, que investigou 49 docentes de uma instituição de ensino privado atuante no campo do ensino técnico, localizada no Vale do Paraíba Paulista.

Os dados foram coletados por meio de questionário, contendo 20 questões, obtendo-se, dessa forma, um panorama da realidade no que diz respeito ao perfil do docente do ensino técnico.

O grupo pesquisado apresentou-se em equilíbrio entre homens e mulheres, com 27 (55%) participantes do sexo feminino e 22 (45%) do masculino.

Em estudo exploratório sobre o professor brasileiro, apresentado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que se baseia no Censo Escolar de Educação Básica, verifica-se que nos anos iniciais do ensino fundamental há predominância de docentes do sexo feminino, entretanto, a participação dos homens aumenta no ensino médio e no ensino profissional, apresentando-se da seguinte maneira: homens, 53,3% e mulheres, 46,7%. De acordo com o estudo “somente na educação profissional encontra-se situação distinta, pois há predominância de professores do sexo masculino” (BRASIL, 2009, p. 22).

Gatti e Barreto (2009) trazem em seu relatório – Professores do Brasil: impasses e desafios – elaborado a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios (PNAD) de 2007, um panorama de docentes que também há a predominância do sexo feminino (83,1% mulheres e 16,9% homens). Em análise mais detalhada as autoras corroboram com o estudo exploratório apresentado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e identificam que na educação infantil o percentual de professoras é de 98%, no ensino fundamental corresponde a 83,5% e no ensino médio correspondem a 67% do quadro de docentes.

A quantidade superior de homens não foi identificada nessa população, que se apresentou em certo equilíbrio. A presença de mais mulheres nesse contexto pode levar à inferência sobre as possibilidades de conciliação deste trabalho com outras tarefas, especialmente àquelas ligadas aos cuidados domésticos (filhos e outros condicionantes familiares), que ainda são atribuídas ao gênero feminino (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2007; BILAC; 2014). Na instituição pesquisada existia certa flexibilidade no cumprimento da carga horária de trabalho, questão pouco comum em outros segmentos do mercado, tal como acontece no varejo e na indústria, em que as escalas de horário são bastante rígidas.

A média de idade da população pesquisada foi de 40 anos. A maior concentração de docentes, 34 participantes (70%), ocorreu na faixa etária que compreende dos 30 aos 44 anos conforme apresentado na Figura 1.

De acordo com Gatti e Barreto (2009), a educação infantil concentra a maior parte (41%) dos professores jovens, com até 29 anos; no ensino fundamental a distribuição de faixa etária mostra-se mais equilibrada, sendo possível encontrar professores nas diversas faixas de idade e no nível médio prevalecem docentes com mais de 30 anos (80,7%), como verificado também neste estudo, vez que o ensino técnico corresponde a esse mesmo nível.

figura1

A faixa etária em torno dos 40 anos pode ser justificada pelo fato do docente do ensino técnico ser um profissional advindo do mercado. Sua experiência inicial foi construída em outras atividades profissionais, que não a docência, e somente em um momento de mais maturidade a carreira docente se concretizou. Este fato pode ser verificado na medida em que apenas três (6%) participantes da pesquisa informaram que não possuíam outra experiência profissional, e a maioria, composta por 46 docentes (93%) teve algum tipo de vivência profissional anterior à atuação em sala de aula.

Em relação ao estado civil, a maioria dos docentes, 25 (51%) era casada, seguidos por 17 (35%) solteiros, cinco (10%) divorciados, e dois (4%) viviam maritalmente. Tais resultados mostraram-se muito semelhantes à pesquisa da UNESCO que aponta 55% dos professores casados, seguidos por 28% solteiros, 8% divorciados e 6% que vivem maritalmente (UNESCO, 2004).

No que diz respeito à formação acadêmica, 27 docentes (55%) informaram que possuíam formação do ensino técnico, sendo que quatro destes (15%) possuíam formação em mais de um curso.

Quando questionados a respeito da formação de nível superior, 47 (96%) informaram possuir graduação e dois (4%) não possuíam, mas estavam em processo de formação. Ressalta-se que deste total de docentes, quatro (8%) possuíam mais de uma graduação.

Em relação à pós-graduação Lato Sensu, 37 (76%) docentes informaram que possuíam esta formação. Dentre estes, nove (24%) haviam cursado mais de um programa de pós-graduação: quatro (11%) concluíram dois cursos, três (8%) fizeram três cursos e dois (5%) concluíram quatro cursos.

Na modalidade pós-graduação Stricto Sensu, quatro (10%) docentes informaram que possuíam tal formação. A distribuição das formações dos docentes participantes foi sintetizada na Tabela 1.

figura2

Diante de tais números, é possível inferir que a profissionalização do professor do ensino técnico está intimamente vinculada a sua formação acadêmica, ou seja, a formação de conhecimentos específicos. Oliveira (2006) afirma que no contexto da educação profissional técnica e entre os docentes da modalidade há certo entendimento que para ser professor, “o mais importante é ser profissional da área relacionada à(s) disciplina(s) que vai lecionar ou que se leciona” (OLIVEIRA, 2006, p. 7). Esse professor não é visto como um profissional da área da educação, mas como um profissional de determinada área técnica que também leciona. Por este ponto de vista, Silva e Azevedo (2015) afirmam que o saber central do docente do ensino técnico é aquele que advém de sua experiência profissional.

Na opinião de Kuenzer (1999) à medida em que a formação do professor da educação técnica vai sendo negligenciada, também descaracteriza-se sua função de pesquisador, que deveria estar atrelada à docência; este status acaba sendo conferido apenas ao docente do ensino superior.

Quando consideradas as cinco áreas em que os docentes estavam alocados na instituição de ensino pesquisada (Gestão & Negócios, Enfermagem, Segurança do Trabalho, Nutrição & Gastronomia e Tecnologia da Informação), verificou-se que em duas destas existiam docentes que, até o momento da coleta de dados, possuíam apenas a formação em nível técnico completa e estavam cursando a graduação; um docente na área de Nutrição & Gastronomia e um da área de Segurança do Trabalho. Todos os docentes das áreas de Gestão & Negócios e Tecnologia da Informação possuíam, no mínimo, graduação completa. Na área de Enfermagem, a titulação mínima era a pós-graduação Lato Sensu, também nesta área se concentravam três titulações de pós-graduação Stricto Sensu (mestrado). O nível de formação dos docentes, de acordo com a área de atuação na instituição pesquisada pode ser analisada na Tabela 2.

Verifica-se, a partir de tais dados, que a área que concentrava os docentes com mais alto nível de formação era a Enfermagem, aspecto que talvez reflita o comportamento do mercado e as necessidades mais evidentes de constantes atualizações do profissional da área da Saúde, quando comparada às outras áreas.

figura3

Kuenzer (1999) critica a precariedade da formação do docente do ensino técnico, na medida em que não existe clareza a esse respeito do ponto de vista legal, deixando aberta a possibilidade de atuação de profissionais de diversas formações e níveis. A autora ressalta a segregação promovida pela política que considera os professores da educação profissional como de “[...] outro tipo, devendo ser formados em espaços e por atores diferenciados; dada a clientela desses cursos” (KUENZER, 1999, p. 182). Somado a isso, parece que as questões emergenciais acabam promovendo ainda maior permissividade de contratação de docentes sem devida preparação para o ensino.

Assim, os profissionais dessa modalidade de ensino desenvolvem um conhecimento pedagógico tácito que é adquirido ao longo da vivência docente, ou seja, baseado na experiência cotidiana do trabalho, sem explicação teórica e, por vezes, sem compreensão de sua totalidade (URBANETZ, 2012), aspecto que pode levar a uma prática docente permeada de incertezas.

Este posicionamento produz um professor “tarefeiro, chamado de ‘profissional’ [...] a quem compete realizar uma série de procedimentos preestabelecidos” (KUENZER, 1999, p. 182), assim qualquer um pode ser professor, desde que domine a técnica específica de sua área de atuação profissional, mesmo sem conhecimento mínimo de técnicas pedagógicas que poderiam aperfeiçoar sua atuação docente.

Apesar dos diferentes níveis de formação, vale ressaltar a contínua busca por atualização desse grupo pesquisado, na medida em que 23 (47%) docentes estavam estudando, no momento em que responderam ao questionário. Seis (26%) estavam cursando a segunda graduação e dois (9%), a primeira. Além disso, 15 (65%) cursavam programas de pós-graduação em suas áreas de atuação e quatro (17%) a pós-graduação voltada para a docência; em todos os casos de pós-graduação, tratavam-se da modalidade Lato Sensu. Esses números revelam preocupação com aprimoramento contínuo, bem como possível busca por reconhecimento e melhorias profissionais. Demo (2012) defende que os professores precisam estar próximos do estudo, manter-se atualizados, caso contrário não conseguem fazer seus alunos estudarem; o autor insiste que “[...] se quisermos alunos que estudem bem, antes precisamos inventar professores que estudem bem” (DEMO, 2012, p.126). E ainda chama a atenção para a necessidade de se assimilar que o estudo nunca se conclui, pois estudar faz parte da vida, mesmo depois de obtidas certificações e diplomas (DEMO, 2012).

A análise desses números e dos títulos dos cursos revelou que a maioria dos profissionais possuía diferentes formações de bacharelado e especialização em cursos de pós-graduação em suas áreas de conhecimento específico, retratando uma possível tendência do docente do ensino técnico em manter seu foco de atenção nos cursos de atualização em sua área de atuação de origem. Entretanto, Gomes e Marins (2004) consideram fundamental pensar a formação em educação, do professor do ensino técnico, como questão nuclear para melhoria da prática docente e consequentemente mudanças educacionais significativas.

A questão da formação/profissionalização docente apresenta-se como pauta de diversas discussões na esfera educacional e trazem consigo a questão da valorização da atuação docente, bem como a busca pela melhoria do processo de ensino aprendizagem. Neste sentido, Oliveira (2006) e Urbanetz (2012) defendem que a formação em educação a ser oferecida ao docente do ensino técnico deve ser promovida com qualidade por instituições de ensino superior, seguindo o formato de Licenciatura Plena, desenvolvendo a pesquisa e valorizando o saber docente relativo às áreas técnicas.

Na ausência de formação específica para atuação em sala de aula, o docente corre o risco de reproduzir modelos de professores que participaram de sua formação acadêmica – graduação ou pós-graduação, bem como sua vida profissional, sem refletir a respeito da real eficácia dos mesmos em seu atual contexto de sala de aula.

Entre os participantes que informaram o tempo de atuação no ensino técnico, verificou-se que a maioria atuava por até cinco anos nesta modalidade. Em média, os participantes lecionavam há seis anos e cinco meses. Dois (4%) participantes não informaram há quanto tempo atuavam em educação.

Em relação à modalidade de ensino que lecionavam, identificou-se que 44 (90%) atuavam exclusivamente com o ensino técnico; entre aqueles que exerciam em outras modalidades, dois (4%) lecionavam no ensino superior, um (2%) na aprendizagem profissional e um (2%) no ensino médio.

Huberman (2000) apresenta um ciclo de vida profissional dos docentes compreendido pelas seguintes fases: 1) entrada na carreira; 2) fase de estabilização; 3) fase de diversificação; 4) pôr-se em questão; 5) serenidade e distanciamento afetivo; 6) conservantismos e lamentações; e, finalmente o 6) desinvestimento. De acordo com tal divisão, 24 (51%) participantes da pesquisa encontravam-se na primeira fase, o que pode ser verificado na Figura 2.

A fase de entrada na carreira refere-se aos dois ou três primeiros anos de atuação do docente, quando acontecem as primeiras experiências na realidade da sala de aula. Neste momento o profissional se defronta com as possíveis dificuldades da profissão e descobre o fazer docente, que o autor nomeia de “choque do real”; é a confrontação com a complexidade da educação e consequentemente a constatação da distância entre o real e o ideal da sala de aula (HUBERMAN, 2000, p. 39). Por outro lado, também se manifesta o entusiasmo inicial diante da responsabilidade, da experimentação e do sentir-se docente (HUBERMAN, 2000). Este é um momento da experimentação e que poderá culminar nas fases seguintes.

A fase de estabilização faz referência ao momento em que o profissional assume um compromisso definitivo com a docência e a educação. Huberman (2000) determina um período de oito a 10 anos para que o professor escolha a docência e elimine as outras possibilidades profissionais. Do ponto de vista prático, significa reconhecimento das próprias competências pedagógicas, ou seja, sentimento de confiança em relação às próprias habilidades para conduzir o processo de ensino aprendizagem (HUBERMAN, 2000). Entre os professores pesquisados, 15 (32%) encontravam-se nesta fase.

Três (6%) docentes atuavam com o ensino técnico entre 11 a 15 anos e pareciam estavam vivenciar a terceira fase, ou seja, de diversificação. Esta remete à tentativa dos profissionais de buscarem novas experiências no cotidiano da sala de aula, momento de repensar material didático, estratégias de avaliação, formas de lidar com as turmas, entre outros. Desta forma, o autor pondera que os professores são “nesta fase das carreiras, os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas” (HUBERMAN, 2000, p.42) e, neste sentido, podem representar um grupo de apoio na formação dos professores que ainda estejam vivendo a fase de entrada.

figura4

Verificou-se ainda, que cinco (11%) professores estavam vivendo a quarta fase, denominada pôr-se em questão, que traz à tona a sensação de rotina ou até de crise em relação à carreira: é o questionamento que surge após anos da monotonia da vida em sala de aula, que acontece entre os 15 e 25 anos de carreira docente – na Figura 2 estão representados por dois grupos de docentes que compreendem: entre 16 e 20 anos e mais de 21 anos.

Dessa forma, essa equipe possuía representantes nas várias fases dos ciclos de vida propostos por Huberman (2000), sendo que a maioria se concentrava na fase de entrada, ou seja, estavam conhecendo a profissão. Trata-se de uma equipe jovem, do ponto de vista da docência, apesar de madura, se for levada em consideração a faixa etária do grupo, que está em torno dos 40 anos, conforme apresentado anteriormente. Pode-se inferir que, por serem mais velhos, tais professores estivessem vivendo a fase de entrada com menos euforia e mais equilíbrio, conseguindo equacionar aspectos positivos e negativos da atuação docente.

O tempo médio de experiência profissional dos docentes no mercado de trabalho, anterior ou em paralelo à docência, foi de 16 anos e seis meses. Sete participantes não informaram quanto tempo de experiência possuíam. O tempo mínimo de experiência no mercado foi de quatro anos e o máximo, de 41 anos.

A maioria, 36 (74%) participantes, possuía até 20 anos de experiência profissional desenvolvida além da docência, conforme apresentado na Figura 3.

figura5

A atuação dos profissionais em outras atividades além da docência reforça a ideia do docente do ensino profissional ter construído inicialmente uma carreira fora do ambiente escolar. Vale ressaltar que 23 (47%) participantes afirmaram exercer outra atividade remunerada em paralelo à atuação em sala de aula; eles eram: consultores, empregados em outras empresas ou prestadores de serviços, conforme apresentado na Tabela 3.

Franzoi e Silva (2014) relatam que, por vezes, os docentes manifestam dificuldades para se desvincularem de suas atividades laborais de formação. Ao que parece, a experiência no mercado de trabalho manifesta-se como referência na formação e identificação do professor do ensino técnico. Manter-se no mercado de trabalho, conciliando sua atuação com a sala de aula, pode ser uma estratégia que traz certa segurança no exercício da docência, pois, assim como considera Tardif (2002), os saberes disciplinares – que no caso dos docentes pesquisados corresponderia aos saberes de suas áreas de formação e de atuação – são indispensáveis para a atuação dos professores. Sem esses saberes, os docentes não se sentiriam aptos para atuar.

Manter-se vinculado ao mercado, pode ser um aspecto positivo, na medida em que preserva a atualização do docente, colocando-o em sala de aula de forma privilegiada, visto que ele tem condições de trazer para o contexto de aprendizagem sua vivência profissional, que vai além da teoria promovida no ambiente escolar. Por outro lado, conduzir dois ou mais empregos pode levar a dificuldades, especialmente no que diz respeito à elevada carga horária de trabalho.

Um dos aspectos que pressionam o docente a se manter vinculado ao mercado de trabalho é a importância que a educação profissional atribui ao domínio da prática, dos conteúdos, dos procedimentos, do fazer (BURNIER; GARIGLIO, 2014). Essa ênfase na prática faz com que exista maior valorização do professor que se mantém em contato com o mercado, o que, por vezes, significa manter outro emprego, além da escola, sobrecarregando o docente. Na realidade da instituição pesquisada existia, inclusive, a preferência pela contração de profissionais que tivessem tal vivência no mercado ou que ainda estivessem exercendo tais atividades.

Enfim, tanto saberes pedagógicos, quando saberes técnicos são importantes para o exercício da docência do ensino profissional, pois professores marcados pela racionalidade técnica do mercado necessitam de apoio para conseguir promover o desenvolvimento de seres humanos no contexto da educação. A educação técnica se enriquece na medida em que tais docentes tragam consigo bagagem de suas vivências do mercado de trabalho e as utiilizem como ferramentas de ensino ou como estratégias de integração do corpo discente no contexto profissional.

figura6

Quando questionados sobre suas futuras intenções profissionais em relação à docência, 35 (71%) afirmaram que pretendiam continuar atuando no ensino técnico, cinco (10%) pretendiam mudar para outro nível de ensino, um (2%) tinha intenção de deixar a profissão e sete (15%) assinalaram a opção “outros”. Um (2%) não respondeu à questão (Figura 4).

Visando compreender melhor o quadro, procedeu-se à leitura das justificativas das respostas dos participantes. Dentre aqueles que pretendiam continuar atuando no ensino técnico, foi possível chegar à seguinte categorização:

i. Busca de desenvolvimento profissional e futura mudança: 10 (29%) estavam investindo em formação e aperfeiçoamento profissional para, futuramente, buscar colocação no ensino superior;

ii.Sentimento de realização com o atual trabalho: oito (23%) docentes informaram que gostavam dos desafios do cotidiano de trabalho, consideravam-se realizados e reconhecidos;

iii.Identificação com a modalidade de ensino técnica: oito (23%) ressaltaram seu gosto por atuar com uma modalidade de ensino que privilegia a formação para a atuação prática;

iv.Reconhecimento proporcionado pela instituição: seis (17) consideravam que a instituição contratante valorizava o corpo docente, promovendo satisfação com o trabalho e a profissão;

v.Conciliação com outras atividades profissionais: dois (6%) consideravam possível conciliar a docência no ensino técnico com outras atividades que já exercem no momento;

Entre os docentes que declararam que pretendiam mudar de modalidade ensino, observou-se que todos tinham a intenção de direcionar suas carreiras para o ensino superior, motivados pelas possibilidades de crescimento e maiores valores salariais. O participante que pretendia sair da profissão informou que abriria seu próprio negócio.

figura7

Tais respostas levam à inferência de que a maioria desses profissionais estava satisfeita com sua ocupação como docente do ensino técnico, visto que pretendia continuar atuando nesse nível de ensino. A satisfação com o trabalho se dá por diversos motivos, tais como: identificação com as atividades cotidianas, boa relação interpessoal desenvolvida entre aluno e docente, possibilidade de levar para a sala de aula sua experiência profissional, reconhecimento promovido pela instituição e a possibilidade do aprendizado contínuo.

Neste ponto, considera-se importante a retomada de aspectos identificados anteriormente, no que diz respeito à experiência profissional docente. O grupo de profissionais analisado atuava por até cinco anos com o ensino técnico, o que o colocava na primeira fase dos ciclos de vida descritos por Huberman (2000), ou seja, a fase de entrada. Diante da realidade da complexidade do mundo da educação, o professor vivenciaria experiências difíceis/desafiadoras e, por outro lado, experimentaria aspectos positivos da profissão. As respostas dadas pelos docentes parecem, dessa forma, valorizar os pontos percebidos como positivos da profissão docente, evidenciando certo encantamento pela nova profissão e permanência na mesma.

3. Considerações Finais

O docente identificado nessa pesquisa é um profissional que se tornou professor após a consolidação de sua experiência nas diversas áreas de atuação profissional do mercado de trabalho – seja indústria, varejo, prestação de serviços. Possui formação acadêmica pertinente à sua carreira de origem, sem ter se preparado academicamente para a atuação em sala de aula. Entretanto, apesar da docência não ser sua primeira escolha profissional, evidenciaram intenção de continuar atuando com a educação.

Tais informações retratam o docente como aquele que parece formar-se no cotidiano do exercício profissional. O saber docente constrói-se socialmente e em seguida é reconstruído na relação com o aluno (TARDIF, 2002), assim desenvolve-se a identidade do professor do ensino técnico.

A escola, por esse ponto de vista, se torna espaço para aprendizagem e formação do professor. Entretanto, tal processo não deveria acontecer exclusivamente pela vivência docente, sem apoio, suporte ou estruturação; as instituições de ensino, neste contexto, têm papel importante na organização da formação docente. Assim, a gestão escolar deve assumir a responsabilidade pela condução da formação de seu corpo docente, promovendo ações coletivas que possibilitem o aprendizado em grupos e promovam a partilha de saberes, de pensamento crítico, bem como a reinvenção do docente nesta modalidade de ensino.

 

Referências

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Recebido em 11/08/2016
Aceito em 22/11/2016

 


Revista Científica On-line Tecnologia – Gestão – Humanismo - ISSN: 2238-5819
Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá
Revista v.6, n.2 – novembro, 2016