INDIVÍDUOS/VÍNCULOS/RELAÇÕES: DA SENSAÇÃO À REAÇÃO – ALTERANDO MOVIMENTOS E EXPRESSIVIDADES DO CORPO

INDIVIDUALS / LINKS / RELATIONSHIP: FROM FEELING FOR THE REACTION – CHANGING THE MOVEMENTS AND THE EXPRESSIVITY OF THE BODY

INDIVIDUOS / LINKS / RELACIONES: DE LA SENSACIÓN PARA LA REACCIÓN – CAMBIO DE LOS MOVIMIENTOS Y CUERPO EXPRESIVIDAD

Newton Fernandes de Ávila1 (nfavila@ucs.br)

1 Universidade de Caxias do Sul – UCS

 

Introdução

Na observação das relações contemporâneas, a percepção real traz indivíduos distantes, no que tange ao estreitamento de vínculos e convívio em sociedade. Fator este que, segundo Wolton (2010), denota um mundo cada vez mais tecnológico, mediado em grande parte pelos meios, e não mais pelo tradicional contato feito pelas pessoas.

O ser humano na sua individualidade imobiliza os pensamentos (sentimentos), não percebendo a indiferença e o descaso com que se relaciona com o outro, provocando assim, dificuldades nas relações pessoais e quando se necessita de um molde nos formatos organizacionais [trabalhar em equipe; adaptar-se em grupo].

Dentro dessa perspectiva, contemporânea e preocupante, faz-se necessário realinhar o desenho que traça o indivíduo hoje e provocar mudanças. As mudanças predispõem um novo olhar sobre o indivíduo, buscando identificar a expressividade interior e exterior do ‘eu’ para trazer a proposição de uma nova postura frente à comunicação e às reações, impactando na relação-convívio em sociedade.

Para isso, é preciso se conhecer, se descobrir e se redescobrir, podendo assim, criar uma mudança comportamental/cultural em si, com a adoção de uma percepção constitutiva de linguagem e pensamento, possibilitando ampliar os conhecimentos.

Portanto, este artigo pretende trazer à tona a necessidade das relações com tato, embasado na vinculação – necessária para a sobrevivência humana – e pautar as atitudes nas diversas linguagens, havendo a urgência em se permitir uma reforma no pensamento, procurando um meio de reconstituir a relação-convívio, frente a individualidade cibernética e midiática de hoje.

1 A sensação [da clausura à soltura] – da liberdade à prisão das relações

O ser reage com a fala, com as emoções e com o corpo num todo e busca contato por meio de relações. Nelas, as sensações, os sentimentos, os pensamentos, são manifestados, mostrando que somente o homem é capaz de transcender, tornando-se diferente dos outros animais, que não apenas vive, mas existe porque não apenas está no mundo, mas está com ele.

Porém, a sua fragmentação como indivíduo imbricou a transcendência, tornando-o um elemento que da soltura foi à clausura, quando se fala de relação-convívio em sociedade. E isso também impactou de forma considerável no âmbito organizacional. Tem-se, no passado, um indivíduo calcado na convivência com tato, o conversar era validado como forma de relacionamento.

Com o passar dos anos, as relações mudaram, os meios de comunicação evoluíram, e trouxeram, sem titubear, com o desenvolvimento da tecnologia, modificações significativas e importantes para o crescimento da humanidade. Embora, junto com ele, abruptas interferências nas relações foram desencadeadas, provocando o estranhamento do outro no contato com tato. Eis que o indivíduo se fecha [ausentando-se de expor suas ideias e pensamentos]; a fascinação diária proporcionada pela tecnologia [com o uso desenfreado do computador e celular como ‘únicos’ amigos]; a falta de questionamento, por não acreditar no poder; e tantos outros que podem ser denominados de dispersão de convivência.

Para que as relações saiam da clausura, da prisão [individualidade cibernética] e voltem à liberdade, faz-se necessária uma (re)construção do convívio e do conhecimento. Não mais sendo vistos, apenas como construção dos sentidos, mas também como construção de emoções e sentimentos, fazendo parte do todo indivisível que é o homem. Sabe-se que as ações e reações dos indivíduos, sejam sentimentos ou sensações [o amor, o divertimento, a felicidade, a autenticidade, a realização, os desafios, a alma], são frutos do bem cuidar da complexa rede de relações, e que se precisa mudar comportamentos, (re)aprender a conversar, em tempos modernos, no instante exato, para falsear a caminhada da individualidade, do capitalismo, do descaso, e deixar a vida mais suportável.

1.1 Comportamentos: uma construção através dos tempos

Ao conviver com os indivíduos em diferentes épocas e em idades distintas, pode-se perceber que, para entender as alterações de comportamentos faz-se necessário perpassar os tempos – da antiguidade à modernidade, e assim, absorver as mudanças que foram acontecendo nas delimitações das décadas trazendo influências.

Partindo do século XIX, mais precisamente em seu final, tem-se uma sociedade que passava por mudanças, na economia, sofrendo expansionismo nos territórios (ainda sob a influência da Revolução Industrial), em que era bem distinta a diferença de classes sociais, na constituição, o regime era monarquia, passando em pouco tempo para república. Os papéis sociais eram delimitados claramente à função do homem e da mulher hierarquicamente, cabendo a ele o tributo de líder e a ela, a submissão, tanto por parte de ordens quanto de desejos. Descontentamento sentido e mostrado nas ruas, a voz e as manifestações femininas sentindo a necessidade de serem valorizadas e buscar seu espaço no mercado de trabalho marcaram presença constante (DIAS, 2010).

Da passagem dessa época para a entrada do século XX, compreendido entre 1901 e 2000, constata-se que, inicialmente, notou-se uma série de transformações no âmbito social que perfizeram modificações nas estruturas da sociedade moderna, prevalecendo a ordem como mais forte característica. Tradições perderam a intensidade em moldar comportamentos, levando-se a um rompimento entre a antiguidade e a nova geração de ideias; assim, como também foi perceptível a fragilidade da religiosidade, pelo fato de não acompanhar os avanços científicos. Porém, se analisado o século como um todo, ele foi marcado por conquistas da civilização com avanços da tecnologia e uma pluralidade de revoluções visíveis e comportamentais, provocando desta forma, um rompimento entre o velho e o novo (BRIGGS; BURKE, 2006).

O começo do século, na década de 1910, fatos como a Primeira Guerra Mundial, a popularidade da era do rádio firmando-se como mídia de massa, o naufrágio do navio Titanic em 1912, o automóvel evidenciado fortemente pela indústria Ford, o início da Revolução Russa – desencadeando depois, o consumismo no país, foram notáveis nesse período, tendo também movimentos artísticos crescentes, assim como a pintura no cubismo e dadaísmo e a música no jazz.

Os loucos anos 20, então carinhosamente designados, chegaram trazendo memórias da guerra, mas também se instaurou uma fase de prosperidade e recuperação da destruição – artefatos físicos e abalos comportamentais. Nas mudanças, incluídos os novos padrões de vida, com requinte no modo de vestir, clubes, casas de chá e um refinado gosto pelo teatro. Explosões e descobertas científicas em várias áreas do conhecimento (a fundação da Psicanálise por Freud, Teoria da Relatividade de Einstein, a descoberta da penicilina por Fleming, a descoberta de novos dados sobre a origem do homem, entre outras). A força da cultura de massas, o aumento de revistas e jornais com o desenvolvimento da imprensa, o ritmo agitado das cidades, a poluição e o tráfego caótico e, também, as transformações de ordem dos comportamentos, em que a certeza dá lugar à incerteza (BRIGGS; BURKE, 2006).

No caminhar das décadas, no Brasil, ocorre a Revolução de 30, tendo no movimento do poder o político Getúlio Vargas. Pelo mundo, nessa década, o cinema com seus atores traz um novo referencial de costumes; e também foi marcada por uma certa ousadia, com a vida ao ar livre, incluindo shorts acompanhados de bicicleta e de banhos de sol. Outro fator considerável era a higiene, um tanto descartável, fazendo com que muitas pessoas morressem muito fácil pelo contágio de doenças. Além da predominância irrefreável pelo sexo.

Já na década seguinte, as mudanças e inovações fazem frente aos anos 40, com a criação do primeiro computador – ENIAC – porém, nesta mesma época, o horror e o declínio tomam conta, marcado pela entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial através de um ataque realizado pelo Japão em Pearl Harbor. E para não terminar tão drasticamente, a moda é considerada uma das mais bonitas e com bastante sensualidade vistas pelo século XX.

Na década de 1950, as imagens são notícias com a chegada da televisão e o cinema atinge seu auge, tornando-se conhecida como ‘idade de ouro’. Também, nesse período, surge a primeira vacina contra a poliomielite – por Jonas Salk. Consideram-se os anos 50 como o período das revoluções comportamentais e tecnológicas, assim como, a transição entre o período de guerras.

Chega a década de 1960, e com ela o sabor de inocência e lirismo nas manifestações socioculturais, além do idealismo e entusiasmo, e na segunda metade, as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos, que uniam os jovens e contestavam todas as estruturas: a capitalista e a socialista.

E eis que na década seguinte, os anos 70, houve um crescimento das revoluções comportamentais em relação à década anterior, o que fez o período ser considerado por muitos, como a ‘era do individualismo’, na busca pela construção de uma identidade. Na economia, os projetos de vida individuais estavam simbolizados pelas cadernetas de poupança, que ofereciam a garantia do alcance das metas estabelecidas em um mundo onde a ordem imperava e a incerteza apenas se dava, praticamente, em relação às intempéries da natureza. Também, houve a crise do petróleo levando alguns países à recessão, enquanto outros começavam a crescer (BRIGGS; BURKE, 2006).

Chegam, com os anos 80 [fim da era industrial e início da era da informação], as inovações, com o desenvolvido o IBM PC e o Apple Macintosh e as primeiras interfaces gráficas: o XFree86, Windows e o MacOS, assim como o desenvolvimento do CD, o início da fabricação dos PCs, dos walkmans e videocassetes e o início do Software Livre. E algumas manifestações adversas pelo mundo como o atentado contra o Papa João Paulo II em 1981, o fim da ditadura militar em 1985, a queda do muro de Berlim em 1989, entre outros.

O século XX vai se despedindo com a década de 1990 e os episódios da Guerra do Golfo, a popularização do computador pessoal e a intensificação da internet. Nesse período também a revolução da medicina com a clonagem da ovelha Dolly, a identificação do DNA e o começo do projeto Genoma Humano; assim como a detecção de planetas extra-solares.

Nasce, então, o século XXI, compreendido entre os anos 2001 a 2100, que traz em termos de comportamento mudanças significativas nas estruturas sociais e culturais; mostrando um indivíduo mutante e líquido. Deixando a relação com as tradições de lado e incorporando em seu habitat as incertezas do mundo moderno, onde o lema é construir sua própria forma livremente e de acordo com sua própria vontade. Outro aspecto a ser considerado, foram os movimentos que ganharam força e visibilidade na constituição de direitos, entre eles os homossexuais [afetividade e casamento] e também os negros [leis de cotas]. Assim, com a chegada do século XXI ações mudam, reações acontecem, comportamentos se diversificam e culturas são híbridas [consistem na miscigenação entre diferentes culturas, ou seja, uma heterogeneidade cultural presente no cotidiano do mundo moderno]. O cotidiano sofre alterações.

Constata-se, então, que, com a chegada do século XXI, inúmeras mudanças ocorreram, entre elas a palavra expressada pelas manifestações em que os desiguais buscavam força para transformações sociais, estilos de vestimentas estabelecendo outras percepções do corpo e da cultura, a massificação das marcas embutindo o consumo, rezas e crenças tendo inúmeros adoradores como deuses, a quebra de paradigmas [tabus] em várias circunstâncias comportamentais, a identificação na individualização como detentora da verdade através da informação e seus meios tecnológicos [sentida inicialmente nos anos 70 e fortemente evidenciada com a chegada da internet], e, também, a pluralidade dos corpos com seus jeitos peculiares de apresentação pessoal, expressividade e insights perceptíveis em tempestades de ideias e trocas de identificação [mudanças rápidas de gostos] num estalar de dedos. Elementos esses que demonstram transformações comportamentais ao longo dos anos e operam em uma gigantesca linha de possibilidades e alterações provocadas pelas misturas – de corpos, de ideias, de ambientes, de recursos, de crenças.

Dessa forma, pode-se dizer que o comportamento versa uma pluralidade de manifestações e as influências na construção do ser são inúmeras. Não podendo ser descartada a real condição de que se vive em um mundo conectado e distante das relações interpessoais, um mundo de incertezas e verdades proporcionadas pela informação. Portanto, é necessário entender que “a informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa. O desafio é menos de compartilhar o que temos em comum do que aprender a administrar as diferenças que nos separam, tanto no plano individual quanto no coletivo” (WOLTON, 2010, p.12).

Para tal conquista, de sair da clausura e ir para a soltura, é preciso sair do domínio da tecnologia e explicitar os laços, perceber a importância das relações para além das informações e abrigar os conhecimentos, e, ainda, resgatar o diálogo tão complexo entre os seres vivos, em prol de uma relação sustentável e primordial para a sobrevivência do homem.

2 A reação – do sólido ao líquido

“O mundo como um todo está fracamente preparado para aceitar o estudo geral da vida humana como um ramo da ciência natural...” (LARAIA, 2008, p. 31); e ainda complementa o autor que “os seus comportamentos não são biologicamente determinados. A sua herança genética nada tem a ver com as suas ações e pensamentos, pois todos os seus atos dependem inteiramente de um processo de aprendizado” (p. 37-38). Essas citações mostram que, culturalmente, o indivíduo cede espaço à liquidez nas reações de suas relações.

Os primórdios do tempo traziam um homem que preconizava um mundo previsível e administrável, centrado em seu controle, com saberes preestabelecidos, ramificações claras de poder e lealdade nas tradições, tendo as obrigações costumeiras e a detenção do ser, pois eram impedidos de movimentar-se e restringiam-se as iniciativas.

Os moldes foram tomando novos formatos, enxugados em algumas instâncias, com mudanças nas regras de ação inspirados pelo crescimento dos negócios. Assim, o modelo estrutural de convivência foi desfigurado, e, em decorrência das atitudes e dos anos, fragmentado, separado em partes que tiveram partes quebradas em sua constituição, não se ajustando para um encaixe.

Nesse contexto, há uma nova aplicação no que tange a comunicar-se, pois, vê-se: indivíduo [sozinho – sem amor – diluído], família [modelagem diferenciada nas ramificações – individualizada – carência de afetos], religião [vários caminhos – sem constituição de direção por parte do indivíduo], cultura [alterações de crenças e valores – posturas comportamentais não entendidas – passado distante do presente, sem importância para este indivíduo] e organizações [ruptura de posicionamento e resultados]. O sólido virou fluído. O fluído virou líquido. Assim, na luta entre espaço e tempo, a velocidade do movimento e o acesso a meios mais rápidos de mobilidade fomentando a desregulamentação da vinculação entre os indivíduos, colocando à frente apenas o poder e a dominação; e, consequentemente, o consumo, como superação e status na vida cotidiana (BAUMAN, 2008).

Diante disso, os indivíduos passam a viver em um profundo estado de incerteza. Por um lado, não conseguem mais prever a configuração do mundo, o qual se altera a cada dia, ameaçado por guerras, graves crises econômicas e mesmo pelas consequências provocadas pela poluição. De outro, não podem mais, homens e mulheres, prever o comportamento de amigos, colegas de trabalho ou mesmo familiares, quando estes vivem dentro da ótica pós-moderna. Já que, dentro desta, não há leis, tudo vale, nenhuma regra é estabelecida, e aquele ou aquela que dorme ao lado pode, repentinamente, e sem nenhum aviso, pegar suas coisas e desaparecer sem deixar notícias.

Nesse sentido, diz-se que pessoas se veem dificultadas em estabelecer projetos de vida individuais e metas a serem alcançadas, o que termina por gerar milhares de pessoas de nossos dias num profundo estado de vazio existencial. O vazio existencial pode ser percebido com clareza nos finais de semana, quando o corre-corre do trabalho e das tarefas cessa, e o vazio dentro de homens e mulheres se torna manifesto, denunciando a inexistência de um conteúdo profundo em suas vidas.

Pode-se, então, analisar três fatores que vão conduzindo para essa falta de existencialidade corporal que são, na contemporaneidade, o comportamento virtual, no qual poucas coisas são divididas, grupos se reconfigurando, convivências mudando, e nota-se que entre uma conversa e outra, há uma pausa ‘considerável’, pois, o mundo virtual cala os amigos para mergulhar na janela do universo paralelo do celular ou computador. Nessa perspectiva, quem tem o melhor aparelho detém o maior poder.

A modificação do homem e seus valores tradicionais, para um homem líquido que preza o status. O homem líquido precisa ter seus valores representados, acredita que assim desenvolve identidade, usando suas posses para esse fim, o que para ele proporciona uma sensação de solidez; é como o se disforme pudesse adquirir forma e peso mais consistente, porém esse processo deve ser de dentro para fora, ou seja, a solidez precisa ser interna, emocional [sentimentos e sensações], algo cultivado no construção do ‘ser’, sendo ao contrário, depositada no ‘ter’, não se sustenta, evapora fácil com volatilidade dos desejos e na infinidade de opções para escolha.

Por fim, a globalização proporcionou ao mundo a transformação em espetáculo. Essa abordagem chama a atenção por definir e resumir muito bem o mundo exibido que acaba de nascer junto com as redes sociais e smartphones e toda a tecnologia que facilitam esse tipo de comportamento, a necessidade de aparecer, a idolatria de celebridades, muitas vezes instantâneas ou o desejo de ser uma delas em reality shows, que se multiplicam a cada ano. Não importa como, mas aparecer é ‘necessário’. Dessa forma, a solidificação das relações fica comprometida; e a fluidez dos caminhos nas organizações deixa de acontecer porque os indivíduos não estão preparados para o conhecer-se e conhecer o outro.

Entende-se, então, que é importante estabelecer a ligação interna e externa de si, e também apropriar-se da relação entre a comunicação e o corpo, pois, ao conhecer-se e estar predisposto a conhecer o outro, o indivíduo é envolvido na comunicação corporal. A comunicação corporal, por sua vez, é uma análise do corpo enquanto sujeito-objeto que pretende, através da comunicação interpessoal, estabelecer vínculos nas relações, influenciar nas manifestações do indivíduo, bem como proporcionar a construção da percepção (SANTAELLA, 2012).

Diante dessa análise, há a interligação entre o corpo, o comportamento e a comunicação como meio de empreender atitudes na dimensão do crescimento pessoal e profissional. Assim, será possível vivenciar e refletir para poder transformar capacidades, conhecimentos e informações em resultados transmitidos e interpretados de acordo com sua origem intencional.

3 O pensamento [a reforma] – a velocidade do movimento permeando a busca por vínculos

A importância de expressar vínculo está presente na obra dos mais notáveis autores psicanalíticos, que de alguma forma, direta ou indireta, estudaram a temática e através de seus pontos de vista fizeram contribuições significativas para o estudo deste comportamento.

Sigismund Schlomo Freud (1856-1939), médico neurologista judeu-austríaco, fundador da psicanálise, “deixou claramente implícita a importância que ele atribuía aos vínculos (embora utilizasse termos correlatos)” (ZIMERMAN, 2010, p. 26). Em suas teorias, Freud sempre enfatizou a importância da sexualidade (a partir da infância). Freud não emite juízos de valor sobre a natureza humana, ele apenas se preocupa em demonstrar que a constante interação entre os desejos primitivos e a repressão que estes sofrem do mundo social e cultural, constitui o melhor caminho para compreender não apenas o ‘eu’ individual, mas a civilização como um todo. Através das interpretações de Freud é possível compreender o porquê de, apesar de tantos avanços técnicos e científicos, a civilização é capaz de viver em permanente conflito, tendendo sempre à barbárie.

Melanie Klein (1882-1960) foi uma psicanalista austríaca, pioneira nos estudos da psicanálise infantil e baseou seu trabalho em três pilares: o mundo interno, a partir das percepções do mundo externo, colorido com as ansiedades do mundo interno; os dois sentimentos básicos de amor e ódio; e a percepção sobre o mesmo objeto, a pessoa que odeia é a mesma que ama.

John Bowlby (1907-1990), britânico psicólogo, psiquiatra e psicanalista, estudou, utilizou e divulgou, o que em sua teoria do vínculo, ele conceituou como vínculo afetivo primário da relação mãe-filho, manifestando assim, seu interesse no desenvolvimento da criança.

Gregory Bateson (1904-1980) e colaboradores (1955) da Escola de Palo Alto – Califórnia, em seus aprofundados estudos sobre a teoria da comunicação humana, descreveram a importante conceituação de duplo vínculo, a qual consiste em uma patologia sobre a relação entre pais e filhos, resultando através de mensagens contraditórias e desqualificatórias, impostas pelos pais, uma criança aprisionada às expectativas destes pais.

Janine Puget e Isidoro Berenstein (1994) classificam a conceituação de vínculos usando-se da intersubjetividade, “assim privilegiando uma ênfase das distintas configurações vinculares (de natureza simbólica, sadomasoquista, etc.)” (apud ZIMERMAN, 2010, p. 27).

No entanto, Wilfred Bion (1897-1979) – notável psicanalista britânico, pioneiro em dinâmica de grupo – foi quem aprofundou, sistematizou e divulgou em todo o universo da psicanálise, as múltiplas faces dos vínculos e das respectivas configurações vinculares. Segundo Bion (1959) os vínculos são elos – emocional e relacional – que unem duas ou mais pessoas, ou duas ou mais partes dentro de uma mesma pessoa. Bion (1959) é responsável pelos três vínculos fundamentais: amor, ódio, conhecimento.

E David Zimerman (2010) assume a ousadia de propor o quarto vínculo – reconhecimento – por acreditar que os quatro estão sempre juntos, inseparáveis e interagindo entre si; de modo que, conforme a predominância da qualidade dos vínculos – se sadia ou patológica – são determinados o comportamento e a qualidade de vida; tornando instigante a possibilidade de estender a relação do corpo ao vínculo nas relações interpessoais.

Para uma melhor compreensão envolvendo o corpo e o comportamento nas relações interpessoais, segue uma breve exposição do pensamento de Zimerman (2010) sobre os quatro vínculos:

O termo amor no português e demais idiomas latinos precede do prefixo a (ausência, ou exclusão de...) e de mors que, em latim, tem um significado ligado à morte (o genitivo de mors é mortis), o que permite ter uma visão harmônica com o princípio fundamental de Freud quanto à existência das pulsões de vida (também chamada de pulsões de amor). Assim, o primeiro vínculo, e fundamental, a se formar na existência de qualquer ser humano consiste na inter-relação do bebê recém-nascido com sua mãe.

O amor tem seus significados que surgem no período antigo e vão encorpando- se até os dias atuais, cheios de significados intrínsecos que permeiam o ser como um todo. O autor cita Platão, que discrimina três tipos de amor consistindo num desejo de possuir algo que falta: o amor terreno (do corpo); o amor da alma (que leva ao conhecimento e, também, o produz); e um amor que consiste numa mistura dos dois anteriores.

Na psicanálise, na concepção de Freud, o amor é considerado uma modalidade de manifestação das pulsões sexuais, desejos que possuem emergência e a escolha do objeto. Acredita ainda que o amor não existe sem uma identificação recíproca e, relata que, vários aspectos se vinculam com diferentes configurações nas várias manifestações do amor: Amor paixão (a significação entre dor e sofrimento); Amor simbiótico (andar e respirar sempre juntos); Amor sadomasoquista (forma de amar e ser amado usando de recíprocas acusações desqualificatórias); Amor obsessivo tirânico (controle de um sobre o outro); Amor histérico (reproduz o amor de pai e mãe demonstrando proteção e pedindo amparo); Amor paranoide (desconfianças, ciúme excessivo por parte de um deles – às vezes recíproco por parte de ambos e que pode atingir níveis delirantes); Amor narcisista (exibicionismo, um fica extremamente idealizado pelo outro, enquanto o outro mantem-se esvaziado); Amor perverso (os dois compõem uma parceria inconsciente entre ambos), e o entendimento psicanalítico conceitua o surgimento deste ‘amor’, como sendo uma projeção “[...] daqueles sentimentos de uma busca de gratificação das necessidades, desejos e demandas, impregnados com idealizações e com suas respectivas decepções [...]” (ZIMERMAN, 2010, p. 56).

Segundo Alencar (1944), o vocábulo “ódio” vem do latim odium e com o significado de raiva, ira e estado colérico e o sentimento de ódio está presente desde a existência da humanidade. E Klein (1969) destaca que o tema ódio remete às pulsões agressivas que, são derivados diretos da pulsão de morte, dos impulsos instintivos e ligados à inveja primária. Winnicott (1982) compartilhou com Klein a crença quanto à importância fundamental e decisiva dos primeiros momentos do desenvolvimento.

Contudo, desde o começo, ele afirma que o bebê busca contato com outras pessoas, e não simplesmente gratificação instintual, que o impulso agressivo é extremamente poderoso e faz parte da pulsão que clama por relacionamentos, é uma parte essencial do impulso primitivo de amor.

Para Freud (1930), existem essencialmente duas classes diferentes de pulsões: as pulsões sexuais, compreendidas no mais amplo sentido (Eros) e pulsões agressivas, considerada como ‘um tipo de conduta’, cuja finalidade é a destruição. Com essa conduta o sujeito explora o seu semelhante, despoja-o de seus bens, humilha-o, maltrata e até mata-o.

Bion (1959; 1988) introduziu e divulgou as múltiplas faces do vínculo do ódio, começando a se interessar principalmente pelos transtornos do pensamento e, em seguida, da função do ego relativo à capacidade de exercer a tomada de ‘conhecimento’, e modifica o significado de conflito para a ideia de que esse conflito psíquico gira em torno de ‘amor versus menos amor’, sendo formas diferentes e opostas de uma mesma pulsão, no caso a do amor e diz sobre o comportamento agressivo que “quando são adequadamente aplicadas, certas frustrações, além de serem inevitáveis, por serem inerentes à natureza humana também são necessárias e indispensáveis às colocações de limites” (ZIMERMAN, 2010, p. 118).

Ninguém contesta que o amor e o ódio são inseparáveis, embora possa a presença de um deles prevalecer sobre o outro, e ambos podem sofrer transformações, pequenas ou grandes, quando acionados por algum estímulo interior ou exterior, e, assim, muitas vezes, elas se completam.

O conhecimento é considerado por Zimerman (2010) uma função do psiquismo que faz uma adequada ligação entre o pensamento e a realidade. Ao falar-se da importância do emocional e do intelectual nas aprendizagens, percebe-se que ambos não ocorrem completamente sozinhos. Há sempre um objeto a ser conhecido ou que impulsiona para o conhecimento. Há sempre alguém que dá condições para que as aprendizagens aconteçam. Nesse momento, a comunicação interpessoal recebe maior destaque, pois ocorre como uma ponte, que estabelece conexões, para que tanto o emocional, quanto o intelectual consigam se desenvolver de forma adequada.

Nesse contexto, Bion (1959; 1988) trouxe a importância da verdade em seus estudos e mergulhou nos conhecimentos da evolução da humanidade (a origem dos fenômenos, o pensamento, a linguagem, o conhecimento, as descobertas, nos inter-relacionamentos, etc.) e da filosofia, em busca de onde está a essência da verdade e das transformações. E complementa com uma importantíssima inovação no mundo da psicanálise cotidiana que, ao invés da clássica atitude de julgar, propondo ser o detentor da verdade com o ‘princípio da certeza’, a psicanálise contemporânea prefere enaltecer o ‘princípio da incerteza’. O princípio da incerteza ensina que a verdade é sempre relativa e varia com épocas, lugares, valores culturais, emocionais, e assim por diante.

Assim, a função conhecer ou saber é, pois, uma atividade pela qual o indivíduo chega a ficar consciente da experiência emocional, tira dela uma aprendizagem e consegue abstrair uma conceituação e uma formulação dessa experiência.

Ao quarto elo, segundo Zimerman (2010), a organização na evolução da personalidade, considera-se intimamente ligada às primitivas etapas narcisistas. O ser humano prescinde de uma necessidade de reconhecimento, desde os seus primórdios até a atualidade, mencionados por diversos autores, com denominações, abordagens e contextos diferentes.

Essa necessidade de reconhecimento permite ser enfocada a partir de quatro vértices, por parte de qualquer pessoa: reconhecimento de si próprio (necessidade de interação entre conhecer e reconhecer os anseios ocultos, e através da existência do mundo dos sentidos – ideias e formas – pensar e reconhecer através do uso da razão); reconhecimento do outro (como alguém que é diferente dele e constituem como importantes fatores para a formação do sentimento de identidade, desde o nascimento até as fases posteriores); ser reconhecido ao outro (como expressão de gratidão e ter capacidade de pensar e simbolizar as experiências da vida) e ser reconhecido pelos outros (como forma de manter a autoestima, assim, qualquer relação humana prevê a necessidade de algum tipo mútuo de um reconhecimento).

A construção do reconhecimento pelos outros traz novas formas de conhecer e dar novos significados, novas leituras e olhares diferenciados sobre o problema. Assim, através de um desempenho de como o indivíduo percebe o mundo exterior (e interior) e como vê as verdades, ele observa e percebe os reflexos que são construídos por uma segurança básica, os olhos amorosos da mãe, e sente-se útil, capaz e valorizado.

A história do patinho feio é um exemplo usado como vinculo de ser reconhecido. Essa metáfora realça a grande importância que um reconhecimento autêntico e carinhoso pode promover uma transformação na autoestima, no sentimento de identidade e no desenvolvimento da personalidade de qualquer indivíduo.

Para finalizar, Zimerman (2010, p. 21) afirma que “o ser humano, constitui-se, sempre a partir de um outro”, e que o significado de vínculo, relaciona-se à ligadura, com características duradouras. Fazendo pensar, dessa forma, que somente as ações humanas podem alterar a direção dos resultados, alterando comportamentos na relação – convívio, aplicando transparência e mudança de atitude para apoiar a valorização do esforço, da iniciativa e da criatividade, como base fundamental para o crescimento.

Para que essa comunicação se torne eficiente, e seja desenvolvida através da confiança e do comprometimento, é preciso estabelecer vínculos entre os indivíduos para que as mensagens de conteúdo sejam também mensagem relacionais. Buscar através do toque, a troca de conhecimentos e a reconstituição da identidade, proporcionando um novo olhar para si e para o outro na extensão das relações.

Considerações Finais

O presente ensaio remeteu a uma tentativa de integrar as ações e reações dos indivíduos nas relações diárias, nas quais há limitações e diferenças plurais na existência humana. Dentro deste contexto, pressupôs-se que o indivíduo traz dentro de si o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo.

Considerando a constituição do intelectual humano – o que o torna diferente dos outros animais, pelo poder de reflexão e discernimento – com base nas vivências e percepções, e, analisando o comportamento, a transformação só será possível quando houver um estreitamento na lacuna da individualidade (vinda da sedução da tecnologia aliada à informação virtual midiática) e um alargamento no estabelecimento de vínculos com a convivência face a face. Neste contexto, Maturana e Dávila (2009) dizem que é preciso olhar atentamente para o outro, observar e perceber, em seu interior, as reais expressões, e não somente olhar com superficialidade.

Essa é uma tarefa que precisa ser superada, deixar a alienação da tecnologia virtual para constituir contato – com tato, quebrar a resistência do indivíduo no mostrar-se, sem fraturar a configuração entrelaçada no sentir (expor as emoções), mas que está escondida no interior, sempre com medo de vir à tona. Aliado a isso, na busca de aceitação pelo outro, em que o medo da rejeição tem uma proporção gigante em tempos atuais, é fundamental estar aberto às possibilidades, ao desconhecido, e ao enfrentamento dos múltiplos comportamentos, não como barreiras de convivência, mas como exploração da complexa e instigante relação humana.

Ainda assim, é preciso entender que informar não é comunicar, para não cair na incerteza e continuar na solidão; e buscar esse desconhecido contato, a imperfeita e perturbadora relação-convívio com o outro, e sem medo constituir o toque.

Dessa maneira, por meio da aprendizagem, entende-se que, o aprender convoca o apreender para, então, empreender ações diferenciadas sobre o cotidiano, os indivíduos constituintes e as relações interpessoais.

Assim entender que o conhecimento de si e do outro deve combinar e integrar, deve ser permanentemente revisitado e revisado pelo pensamento para poder o indivíduo refletir e transformar as atitudes frente à virtualidade do comportar-se e entender a aceitação mútua. O comportamento, por sua vez, abarca o conhecimento e se expressa na construção da identidade em que cada um recebe ao longo da vida, com as convivências e adquirindo cultura.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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DIAS, Reinaldo. Introdução à sociologia. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

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Recebido em 01/11/2015
Aceito em 01/12/2015

 


Revista Científica On-line Tecnologia – Gestão – Humanismo - ISSN: 2238-5819
Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá
Revista v.6, n.1 – maio, 2016